Avaliação em Contextos e eLearning: um diário de bordo

 

    Dentre tantas discussões sobre e-learning existentes ao longo dos anos, alguns elementos comumente associados a ele aparecem recorrentemente e tornaram-se indissociáveis das práticas efetivas de e-learning. Mota (2009) traz uma síntese interessante sobre isso, destacando a autonomia, a colaboração, a partilha, a abertura, a socialização  e a aprendizagem ao longo da vida como pilares do e-learning. E é importante salientar que no percurso da Unidade Curricular de Avaliação em Contextos de eLearning, ministrado pelas docentes Lucia Amante e Elizabeth Souza no âmbito do Mestrado em Pedagogia do eLearning (UAb), tais pilares estão muito presentes. A síntese reflexiva a seguir demonstra como se deu esse percurso e destaca a presença desses elementos tão importantes para promover uma aprendizagem significativa em contextos de e-learning. 


Tema 1: Avaliação Pedagógica - Atuais perspetivas


    Interessante observar que este tópico inicial inicia-se justamente com uma reflexão sobre o ato de avaliar. O disposto por Pinto (2016) proporcionou uma aproximação de todos com o tema ao reconhecer que a avaliação é quase sempre vista como um processo desconfortável, penoso e frio, uma visão bem característica do senso comum. Já que a proposta do tema inicial era abordar as atuais perspectivas quanto à avaliação, considera-se que partir dessas concepções preconcebidas e depois partir para uma contextualização histórica quanto à avaliação na educação e na sociedade constituiu uma estratégia eficaz, prazerosa e significativa para iniciar o percurso nesta unidade curricular.

    A atividade de discussão que se seguiu à reflexão quanto às leituras serviu muito para que todos trocassem experiências e colocassem em pauta suas vivências anteriores frente às conclusões obtidas a partir dessas leituras. Um dos principais tópicos abordados na discussão girou em torno das várias perspectivas, tipos e funções da avaliação. Nesse sentido, discutiu-se e aprendeu-se muito sobre a relação entre os funcionamentos pedagógicos (o ensinar, o formar e o aprender) e os tipos de avaliação (somativa, formativa, formadora), de acordo com Pinto (2016). Uma avaliação somativa, que gira em torno do ensinar, em geral concentra-se em verificar, em controlar, estabelecer medidas e hierarquias, em geral quantitativas, como modo de classificar os estudantes. Enquanto isso, uma avaliação formativa, centrada no formar, busca fornecer informações ao professor ao longo do processo, uma avaliação contínua e sinalizadora para promover um balanço entre o estado atual dos estudantes e o esperado para que se possa tomar decisões enquanto a prática pedagógica acontece. Por fim, uma avaliação formadora, cujo foco é o aprender, utiliza-se da diversidade de formas de trabalhar para que o aluno possa trabalhar sobre as suas necessidades, tendo o professor como organizador dos contextos e acompanhante no processo. Percebe-se, assim, não uma separação entre as estratégias de avaliação abordadas nessa intensa discussão, mas sim a concordância de que todas elas possuem sua intencionalidade e devem ser utilizadas em conjunto durante todo um processo pedagógico quando forem necessárias, já que cada contexto apresenta circunstâncias distintas. Não há, portanto, certou ou errado na escolha de uma estratégia de avaliação, mas é necessário que se compreenda como e porquê determinado tipo de avaliação funciona ou não, assim como os principais equívocos quanto ao conceito de avaliação.


Tema 2: Avaliação Pedagógica Digital em Contextos de Elearning


O segundo tema iniciou-se com uma proposta diferente: um trabalho de produção em grupo que também conferia a autonomia para selecionar tanto a ferramenta para produzir a apresentação solicitada quanto para selecionar um texto sobre a temática da avaliação pedagógica digital em contextos de e-learning. Porto (2005) trouxe uma das linhas de força que identificamos em grupo, isto é, a avaliação como melhoria das experiências educacionais futuras sobretudo nos ambientes online assíncronos. A autora discorre sobre os desafios da avaliação online, da necessidade de haver uma congruência entre os objetivos, o processo de aprendizagem e o design instrucional - o qual precisa conter em si as estratégias de avaliação para todo o processo. Um ponto interessante foi a abordagem sobre o uso das rubricas como instrumento para comunicar expectativas, sistematizar notas e formas diferentes de avaliar, quantitativas e qualitativas. Irala, Blass e Junqueira (2021) definem a rubrica como um dispositivo de meta-avaliação, podendo ser construída junto aos alunos para explicitar intenções e as dimensões de avaliação. O uso de rubricas traz, inclusive, uma reflexão sobre o que realmente avaliamos: performance ou aprendizagem?

    Outro ponto chave abordado tanto no texto quanto na apresentação produzida (o que gerou uma intensa discussão posteriormente) foi a questão do feedback como elemento essencial de qualquer processo avaliativo. Importante salientar que descobrimos a caracterização dos termos feedback (um retorno do que foi feito para reflexão), feedforward (para suscitar melhorias, fomentar novos caminhos frente ao que foi feito a fim de melhorar) e feedup (para descrever objetivos, expectativas e orientações). A Figura 1 a seguir ilustra bem essa temática tão discutida e absorvida por todos(as).

Figura 1 - Feedup, feedback e feedforward (Disponível em: https://learninghubwss.wordpress.com/2016/06/10/so-you-think-you-provide-quality-feedback/)

    Outra linha de força que escolhemos para a apresentação consistiu na análise do disposto por Pereira et al (2015) sobre a cultura da aprendizagem associada a uma abordagem de cultura de avaliação. Tal abordagem trouxe à luz a ideia de que deve haver uma integração da avaliação no processo de ensino com participação do aluno em constante diálogo com o professor. Dessa forma, torna-se necessário avaliar tanto o processo quanto o produto de aprendizagem, diversificando tarefas e formas de avaliação para que os alunos possam refletir sobre a sua aprendizagem. Por fim, elegemos o texto de Moreira et al (2020) que versa sobre a avaliação no e com o digital através da criação de uma cultura de avaliação. Seguindo a linha do texto anterior, este também defende a cultura de avaliação com práticas formativas integrando ensino, aprendizagem e desenvolvimento de competências utilizando tecnologias como facilitadoras e promotoras de uma comunicação e interação síncrona e assíncrona.

    Para concluir este tema, seguiu-se um debate muito rico no qual foi possível verificar as escolhas de cada grupo sobre as suas linhas de força e textos. Interessante observar que muitos dos temas trazidos pelos grupos se conectaram uns aos outros e geraram discussões sobre temas como feedback, feedforward e feedup, bem como rubricas e outros instrumentos de avaliação. 


Tema 3: Instrumentos de Avaliação Pedagógica em Contextos de Elearning


Conferindo ainda mais autonomia aos alunos, o terceiro tema também consistiu de um trabalho em grupo para a produção de outra apresentação digital, mas, desta vez, cada grupo precisou escolher um instrumento de avaliação (blog, mapa conceitual, e-portefólio, fórum, wiki, etc.) e um texto que demonstrasse um caso real de uso desse instrumento. Novamente em outro grupo, selecionamos o instrumento e-portefólio e o texto de Pereira et al (2020), um trabalho muito atual que demonstra o uso do e-portefólio como instrumento de avaliação de uma disciplina de estágio de um curso de graduação em Pedagogia no Brasil em tempos de pandemia de COVID-19. Pereira et al (2020) partiram de uma reflexão muito completa sobre o uso de e-portefólios para avaliação relacionando a sua intencionalidade às diretrizes institucionais que acabam por limitar as escolhas avaliativas dos professores. Em tempos de trabalho em rede, os autores contextualizam o instrumento com as necessidades educativas frente à pandemia da COVID-19, que leva-nos a ressignificar práticas e repensar estratégias em todos os âmbitos. O e-portefólio revelou-se uma alternativa muito válida para o contexto que trouxeram, já que práticas de estágio demandaram formas diferentes e criativas de execução nestes tempos. Quanto ao e-portefólio, muitas são as ferramentas para contruí-los, mas o mais importante que se detectou nesta experiência diz respeito às suas potencialidades, que podemos destacar algumas com base tanto em Pereira et al (2020) quanto em Amante (2011): permite ao professor aferir sobre a relevância das atividades de aprendizagem, analisar o processo de cada aluno, de uma forma personalizada para conhecer a sua evolução; permite a autoavaliação, a metacognição, um estreitamento de relações entre o aluno e o professor; promove autonomia; facilita a gestão do conhecimento, a partilha, interação e a apresentação de resultados, além de ser flexível e disponível em qualquer lugar.

O trabalho desta temática, também seguido de partilha e debate, proporcionou, mais uma vez, grandes aprendizagens sobre diversos instrumentos, já que outros grupos abordaram instrumentos como mapas conceituais e wikis, o que tornou o tópico muito diverso e com diversas perspectivas.


Tema 4: Procedimentos e Critérios de Avaliação Pedagógica num Contexto Online 


Por fim, o tema final. Depois de todo esse rico percurso, fomos convidados, mais uma vez, a trabalhar em grupos, porém, dessa vez, o trabalho consistiu em um design de avaliação de um módulo ou curso online. O design deveria levar em conta as aprendizagens obtidas nos temas anteriores na construção dessa proposta avaliativa. Nesse sentido, em grupo, construímos um Contrato de Aprendizagem e uma apresentação visual para explicitar melhor as escolhas. O módulo de formação consistiu numa unidade curricular de Ética Digital, tendo sido construído um modelo avaliativo baseado no Modelo PrACT (Pereira et al, 2015; Amante, Oliveira e Pereira, 2017), sustentado pelos pilares Praticabilidade (escolha das estratégias a serem empregadas), Autenticidade (demonstração de competências próximas do contexto real), Consistência (uso de uma variedade de métodos) e Transparência (tornar o ato avaliativo visível e compreensível a todos). Como instrumento de meta-avaliação, construímos uma rubrica única baseada nesses quatro pilares, com cada tema do módulo utilizando diferentes instrumentos e cada um sendo desenvolvido sob diferentes formas de organização (individual, pares, grupos). A ideia era testar a aplicabilidade da rubrica e das estratégias de avaliação em consonância com o Modelo PrACT, e o fato de propormos uma única rubrica baseou-se no disposto por Fernandes (2019) quando afirma que é desejável que se use apenas uma para uma diversidade de tarefas para se garantir “mais consistência e rigor na avaliação realizada, quer seja formativa ou sumativa, permitindo que alunos e professores trabalhem, tendo os mesmos critérios como referentes fundamentais” (p. 5). 

    Tal escolha provocou uma grande discussão no fórum junto aos demais colegas. Então, formulou-se todo um debate em torno da dicotomia “uma rubrica ou muitas rubricas?”, cada estudante trazendo suas perspectivas e apontamentos sobre pontos positivos e negativos quanto à nossa escolha. Percebemos que o uso de uma única rubrica provocou certa estranheza na grande maioria dos colegas, porém persistimos na proposta a fim de submetê-la à apreciação final das docentes - e, posteriormente, testar a proposta em campo. Assim, discussões como essa não objetivam eleger opiniões certas ou erradas, mas sim promover essa troca de opiniões, vivências e perspectivas, o que foi o ponto mais alto de todas as discussões deste percurso. Com base nessa apreciação de nossos pares, submetemos o nosso trabalho final, tendo feito algumas das alterações sugeridas pelos colegas, uma construção colaborativa muito rica. Finalmente, concluímos que as melhores estratégias de avaliação são aquelas que se adequam bem aos contextos nos quais são praticadas e precisam sim importar-se com cada indivíduo envolvido, diversificando estratégias e encerrando em si sempre um valor formativo.


Agradecimentos


Depois de todo esse importante percurso, deixo aqui os meus agradecimentos às docentes Lucia Amante e Elizabeth Souza pela brilhante condução durante toda a unidade curricular. Como a disciplina é justamente sobre avaliação, as docentes garantiram de forma exemplar que tudo o que aprendemos fosse claramente perceptível no desenvolvimento da UC. Foi possível perceber cada aspecto estudado durante as práticas, tanto das professoras quanto dos colegas, o que torna a UC muito coerente e prazerosa. Destaco também os excelentes feedbacks/feedforwards (e também feedups) dados pelas docentes de maneira muito completa e no tempo muito adequado, o que fez com que melhorássemos cada vez mais ao longo do percurso. Agradeço também aos colegas pelas excelentes conversas e aprendizagens que tivemos sempre juntos. Em quatro continentes diferentes, mas muito próximos e em sintonia. 


Referências


Amante, L. (2011) A Avaliação das Aprendizagens em Contexto Online: O e-portefólio como Instrumento Alternativo. In Paulo Dias & António Osório (Orgs.) Aprendizagem (In)Formal na Web Social. (pp. 221-236). Centro de competência da Universidade do Minho, Braga, 2011. https://www.researchgate.net/publication/260677333_A_AVALIAO_DAS_APRENDIZAGENS_EM_CONTEXTO_ONLINE

Amante, L.; Oliveira, I.; Pereira, A. (2017). Cultura da Avaliação e Contextos Digitais de Aprendizagem: O modelo PrACT. In Revista Docência e Cibercultura. Vol.1, nº 1. (135-150) http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/article/view/309 

Fernandes, D. (2019). Rubricas de Avaliação. Folha de apoio à formação-Projeto MAIA. Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e Direção Geral de Educação do Ministério da Educação. https://www.researchgate.net/profile/Domingos-Fernandes-2/publication/339956075_Rubricas_de_Avaliacao/links/5e6fc5c4458515eb5aba58ad/Rubricas-de-Avaliacao.pdf

Irala, V. B., Blass, L., & Junqueira, M. da S. (2021). Introduzindo o conceito de avaliação por rubricas por intermédio de oficinas: análise de uma experiência piloto. Revista Contexto &Amp; Educação, 36(113), 54–73. https://doi.org/10.21527/2179-1309.2021.113.54-73

Moreira, J. A.; et al. (2020). Educação digital em rede: princípios para o design pedagógico em tempos de pandemia [Em linha]. Lisboa: Universidade Aberta, 2020. 49 p. (eUAb. Educação a Distância e eLearning; 10). ISBN 978-972-674-881-6. https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/9988

Mota, J. (2009). Personal Learning Environments: Contributos para uma discussão do conceito. Educação, Formação & Tecnologias, 5-21. https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/8982

Pereira, A., Oliveira, I, Tinoca, L., Pinto, M. C., Amante, L. (2015). Avaliação alternativa digital: conceito e caracterização. In Desafios da avaliação digital no Ensino Superior. Lisboa: Universidade Aberta (6-34). https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/5774

Pereira, M. V., de Souza Bonelli, S. M., Zimmer, R. O. D., & Ebert, S. L. F. (2020). Avaliação na educação superior: limites e possibilidades de uma experiência. EccoS–Revista Científica, (55), 18874. https://periodicos.uninove.br/eccos/article/view/18874

Pinto, J. (2016). A avaliação em educação: da linearidade dos usos à complexidade das práticas. In L. Amante & I. Oliveira (Coords.). Avaliação das aprendizagens: perspetivas, contextos e práticas (pp. 3-40). Lisboa: Universidade Aberta-LE@D. http://hdl.handle.net/10400.26/21798

Porto, S. (2005). A avaliação da aprendizagem no Ambiente On-line. Educação, Aprendizagem e Tecnologias–Um Paradigma para Professores do Século, 21, 139-161. https://elearning.uab.pt/pluginfile.php/1546126/course/section/181164/StellaPorto.pdf

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